O suicídio não só constitui um pecado, ele é o pecado. É o mal extremo e absoluto; a recusa de interessar-se pela existência; a recusa de fazer um juramento de lealdade à vida. O homem que mata um homem, mata um homem. O homem que se mata, mata todos os homens; no que lhe diz respeito, ele elimina o mundo. Seu ato é pior (considerado simbolicamente) do que qualquer estupro ou atentado a bomba, pois destrói todos os prédios; insulta a todas as mulheres. O ladrão se satisfaz com diamantes; mas o suicida não: esse é seu crime. Ele não pode ser subornado, nem com as cintilantes pedras da Cidade Celestial. O ladrão elogia os objetos que furta, quando não elogia o dono deles. Mas o suicida insulta a todos os objetos da terra ao não furtá-los. Ele conspurca cada flor ao recusar-se a viver por ela. Não existe nenhuma criatura no cosmos, por mínima que seja, para quem a sua morte não é um escárnio. Quando alguém se enforca numa árvore, as folhas poderiam cair de raiva e os pássaros fugir em fúria, pois cada um deles recebeu uma afronta direta. Obviamente pode haver patéticas desculpas emocionais para o ato. Geralmente as há para o estupro, e quase sempre para o atentado a bomba. Mas quando se trata de esclarecer idéias e o significado inteligente das coisas, então, na sepultura na encruzilhada* e na estaca cravada no corpo, há muito mais verdade racional e filosófica do que nas máquinas de suicídio do sr. Archer. Há um significado no enterro à parte de um suicida. O crime desse homem é diferente de outros crimes — pois torna até os crimes impossíveis.
G. K. Chesterton
Nos últimos meses, não houve assunto mais debatido nas redes sociais do que o suicídio. Embora seja um assunto muito delicado a discorrer, tentarei expor de uma forma lúcida algumas verdades que devem ser esclarecidas sobre esse tema tão polêmico. Sabemos que são variáveis as causas que podem levar uma pessoa cometer o suicídio. Não nego o fato de que até nós cristãos, quando passamos por muitas aflições, e nesses momentos de fragilidade a dor nos leva num êxtase de sentimentos que pode nos tira a razão ou a vontade de viver.
Nenhum ser humano é imune de passar por situações angustiantes, e por fim desejar a própria morte. Nas Escrituras há diversos relatos de homens de Deus, que mesmo depois de subirem os mais altos picos de bravura e coragem, retrocederam para os mais profundos atos vis de covardia. Elias seria um ótimo exemplo para discorrermos sobre isso. Depois de um ato corajoso de ter enfrentado os falsos profetas de Baal, se acovardou e teve medo das ameaças de Jezabel. Elias fugiu, mesmo sendo um dos profetas mais ousados que já pôs os pés nesta terra; ele temeu.
Vejamos:
“O que vendo ele, se levantou e, para escapar com vida, se foi, e chegando a Berseba, que é de Judá, deixou ali o seu servo. Ele, porém, foi ao deserto, caminho de um dia, e foi sentar-se debaixo de um zimbro; e pediu para si a morte, e disse: Já basta, ó Senhor; toma agora a minha vida, pois não sou melhor do que meus pais (1 Reis 19:3-4)”.
O sentimento de fracasso, desânimo e solidão, levaram o profeta Elias ao mais profundo sentimento de angustia. Elias era um profeta zeloso. Um profeta de Deus por excelência, porém, “... Elias era um home frágil como nós...” (Tiago 5:17). Por achar que havia fracassado e que estivesse sozinho, talvez Elias tivesse razão em desejar a própria morte. Logo após desejar a própria morte, o texto bíblico diz que Deus enviou um anjo para dar o que comer e beber a Elias, e por fim o encorajou dizendo: levanta-te e come, porque terá um grande caminho pela frente (1Reis 19:7).
Elias não poderia esquecer de que, “... não sobreviria a ele tentações que não fosse comum aos homens, e que Deus não permitiria que ele fosse tentado além do que pudesse suportar. Mas, quando fosse tentado, Deus providenciaria um escape, para que ele pudesse suportar...” (parafraseando 1Coríntios 10:13). Deus é fiel. Deus supriu a necessidade física de Elias e ainda trabalhou no seu psicológico que estava abalado, dizendo para seguir em frente porque grande era a jornada, mostrando assim que Ele o guardaria e o sustentaria. Não seria isso um escape?
Chesterton dizia que qualquer pessoa que se disponha a discutir sobre qualquer assunto, deve iniciar o debate dizendo o que não está em discussão. E além de dizer o que quer provar, deve deixa claro o que não quer provar. Por isso, quero deixar claro aos leitores que minha intenção ao escrever esse artigo não é de querer provar que quem comete o suicídio é ou não salvo. O que quero provar é que um salvo não é um suicida. Há muitos outros casos nas Escrituras em que homens de Deus foram provados por muitas aflições. Jó seria outro grande exemplo em que poderíamos expor, pois também desejou a morte. Mas antes de tudo, quero humildemente antecipar a possibilidade de estar errado, pois, creio que não há aflições neste mundo que possa levar um cristão regenerado por Deus a tirar sua própria vida. Como disse no inicio, são muito variáveis os casos que levam as pessoas a cometerem tal ato. E por isso acredito que devemos ter uma cosmovisão bíblica profundas sobre o assunto para quando os dias tenebrosos vierem, possamos estar firmes e perseverar até o fim.
Como John Piper disse: “Cosmovisões fracas produzem cristãos fracos e cristãos fracos não sobreviverão aos dias que estão vindo”. Eu seria desonesto a alguns textos Bíblicos e trairia minha própria consciência se defendesse essa tese de que um suicida cristão vai pro céu. Sei perfeitamente que muitos irão discordar da minha posição teológica sobre este assunto. Quero que entendam que não estou aqui afirmando que o suicídio seja um pecado imperdoável, e sim, que um cristão genuíno nunca cometerá o suicídio. Não sou um especialista quando se trata de assuntos psicológicos, portanto, posso estar errado no quesito de doenças psicológicas que envolvem o ato do suicídio.
Muitos teólogos reformados defendem, e até mesmo quase fazem apologia ao suicídio cristão. Usam a doutrina da justificação pela fé para defender algo em que não há sintonia com a Perseverança dos Santos. Se analisarmos com atenção o texto de Romanos 5, onde Paulo expõe a doutrina da justificação pela fé, iremos perceber que a justificação pela fé não anula a Perseverança dos Santos, e sim confirma a necessidade de perseverarmos.
Vejamos:
“...e não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que as tribulações produz a paciência; e a paciência a perseverança; e a perseverança a esperança, e a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado ( Romanos 5:3-5)”.
Poucos teólogos reformados discordaram da posição dos mais influentes como o Augustos Nicodemus, Hernandes Dias Lopes, Franklin Ferreira, Marcos Granconato e outros. O pastor congregacional e também reformado, Josemar Bessa, fez uma defesa lúcida sobre o assunto, discordando da maioria. O Franklin Ferreira até chamou de católicos aqueles que discordam da posição dele. Mas, o que a Bíblia nos tem a dizer sobre isso? Onde encontraremos textos Bíblicos que nos mostram um suicida salvo? Talvez, alguns já tenham em mente o caso de Sansão, mas, poucos sabem que o caso de Sansão não favorece o suicídio. O teólogo François Turretini argumentou muito bem sobre o caso de Sansão dizendo:
“O exemplo de Sansão (Jz 16:30) não favorece o suicídio porque nas ruínas da casa que ele derrubou ele se sepultou não menos que os demais. Este foi um feito singular, perpetrado pela influencia extraordinária do Espírito Santo, como transparece tanto do apostolo (Hb 11:34), que declara que ele fez isso pela fé, baseado nas orações que ofereceu a Deus para obtenção de força extraordinária para este ato, e no fato de que elas foram ouvidas (Jz 16:28). Deus aumentou sua força e lhe outorgou o desejado sucesso para que assim ele fosse um eminente tipo de Cristo, que causa grande destruição de seus inimigos por meio de sua morte e que quebra o julgo tirânico posto no pescoço do seu povo. Finalmente o designo não visava simplesmente uma vingança privada, mas a vindicação da gloria de Deus, da religião e do povo, visto que ele era uma pessoa publica e levantada por Deus dente o povo como vingador. Uma coisa é alguém expor-se aos perigos motivados pela pressão da necessidade e em resposta ao chamado especial de Deus; outra é matar-se. Tampouco deve ser considerado suicida quem entrega sua vida por outro, pois então, ao entregar Cristo sua vida por nós, teria ele sido suicida (o que ninguém diria)”. [1]
Encontramos seis casos de suicídio nas Escrituras. Com exceção o caso de Sansão.
• Abimeleque - Juízes 9:54
• Saul - 1Samuel 31:4
• O escudeiro de Saul - 1Samuel 31:5
• Aitofel - 2Samuel 17:23
• Zimri - 1Reis 16:18
• Judas - Mateus 27:5
Em todos os casos, podemos notar que eram homens ímpios. Sem duvidas, o caso mais famoso deles é o de Judas Iscariotes, depois de ter traído Jesus, “...enforcou-se...” (Mt 27:5). Portanto, o suicídio não é bem visto nas Escrituras. Sei que minha posição pode soar com uma voz muito critica, mas, deve-se ter sérias dúvidas sobre a autenticidade da fé de qualquer pessoa que afirmava ser cristão, mas mesmo assim chegou a cometer suicídio. As Escrituras nos ensinam que devemos nos examinar para ver se realmente estamos na fé, e que devemos provar a nós mesmos, (2Co 13:5). Desde o tempo de Agostinho a igreja condena o suicídio e, logo depois, Tomás de Aquino descreve o suicídio como um ato contra o próprio Deus. O princípio básico que rege a moral cristã é que a vida pertence exclusivamente a Deus e somente Ele pode dispor dela e é daí deriva o mandamento “não matarás” (Ex 20:13). Não há nenhuma circunstância que possa justificar que alguém, especialmente um cristão, tire a sua vida própria.
Eu posso estar completamente enganado, mas para mim, o suicídio representar um ato final de incredulidade e uma rendição ao desespero e à desesperança. Podemos refletir sobre o próprio caso de Judas Iscariotes, que tem um grande contraste com Hebreus 6:4-6 que diz:
“Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram da boa Palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento, pois assim, quanto a eles, de novo crucificaram o Filho de Deus, e o expõem ao vertuperio”.
Há varias interpretações dessa passagem, porém, esse texto apresenta uma exortação hipotética. Se alguém pudesse cair da graça (v.6), seria impossível a renovação para o arrependimento, pois, em tal caso, seria necessário que Cristo fosse crucificado uma segunda vez. Portanto, podemos concluir que mesmo que Judas tivesse experimentado as experiências citadas nesse texto, não significaria necessariamente que ele havia sido regenerado por Deus ou então houvesse perdido a salvação. A verdade é que Judas Iscariotes era um filho do diabo, destinado a perdição ( João 6:70; 17:12).
Alguém pode estar se perguntando onde eu quero chegar com essa afirmativa. Pois bem, a resposta é simples, e pode estar errada. Acredito que todos estes que cometem o suicídio são na verdade um tipo de Judas. Veja que o texto fala claramente que é impossível que os que uma vez já foram iluminados e recaíram, sejam reconduzidos ao arrependimento. A palavra “iluminados” também aparece em outro texto mais a frente.
Vejamos:
“Lembrai-vos, porém, dos dias passados, em que, depois de serdes iluminados, suportastes grande combate de aflições” (Hb 10:32).
Se lermos até o versículo 39, não iremos precisar de um comentário Bíblico ao lado, ou ate mesmo fazer uma exegese profunda do texto para entendermos que o texto está nos exortando a perseverar.
Podemos sintonizar a passagem de Hebreus 10:32-39 com Romanos 5:1-5. O fato que podemos expor aqui, é que depois de sermos justificados pela fé, temos paz com Deus, a ponto de suportamos com alegria e nos gloriamos nas aflições, não rejeitando a confiança em Deus, pois teremos um grande e avultado galardão, sem esquecer que necessitamos de paciência, pois a paciência ira produzir em nós a perseverança, para que depois de fazermos a vontade de Deus, possamos alcançar a promessa, assim, aguardaremos com alegria a volta de Cristo, pois Ele não tardará, mas, se alguém recuar, o Senhor não terá prazer nele, portanto não podemos ser como aqueles que retrocedem ou regridem para a perdição; mas sim, dos que crêem e, salvos, seguimos avante.
Não sou a melhor pessoa a tratar deste assunto de uma forma ampla e teológica, mas, devemos considerar que há muitos textos Bíblicos que nos mostram claramente que um eleito de Deus, irá perseverar até o fim. A Regeneração é um ato soberano do Espírito Santo nos corações dos eleitos de Deus, fazendo com que eles não mais sejam mais dominados pela velha criatura, e estão fora do domínio do pecado, pois, “...todo aquele que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé (1 João 5:4)”. Paulo passou por diversas situações que está fora do nosso alcance de verificabilidade, mesmo assim podemos descrever diversos momentos em que Paulo pudesse ter chegado a desejar cometer o ato do suicídio, pois ele não estava isento de se sentir tentado ou até mesmo, ter tido descargas emocionais a ponto te tirar-lhe o desejo de viver, mas a graça de Deus foi suficiente para Paulo com suas próprias palavras dizer: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé (2 Timóteo 4:7)”.
Quando comecei a estudar a teologia reformada, estendi perfeitamente os cinco pontos do Calvinismo, e quando me deparei com a doutrina da Perseverança dos Santos, houve um conforto em meu coração, pois, se não fora Deus com sua soberana graça nos sustentando, jamais perseveraríamos. Romanos 8 é um grande consolo para os eleitos, pois sabemos que não há condenação para aqueles que estão em Cristo. E se, portanto não há condenação, isso significa que um cristão que comete suicídio, é salvo? Vejamos que em Romanos 8 no verso 5 em diante, Paulo descreve quem são as pessoas que foram justificadas, e podemos ver a diferença entre as que foram e as que não foram justificadas por Deus mediante a fé em Cristo.
Seria um absurdo estuprarmos o texto de Romanos 8 com argumentos grotescos de que não há condenação para os que estão em Cristo, com o intuito de colocar suicidas no céu. Mas, gostaria de lembrar meus amigos reformados o verso 9 nas palavras de Paulo quando disse:
“...vocês não estão sob o domínio da carne, mas do Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vocês. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo”.
Sem deixar de lado o verso 14 que diz:
“... todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus...”.
E concluindo com o verso 17 que diz:
“... se somos filhos, então somos herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, SE DE FATO PARTICIPAMOS DOS SEUS SOFRIMENTOS, para que também participemos da sua gloria...”.
Diante desses textos, posso questionar aqueles que equivocadamente defendem a “teologia do suicida salvo” com a seguinte pergunta, o Espírito Santo ira nos guiar a cometer o suicídio? Ou podemos concluir que o cristão suicida na verdade estava sob o domínio da carne e, portanto não pertencia a Cristo? Como o Espírito guia os eleitos em suas aflições? Paulo pode responder dizendo:
“... considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a gloria que em nós será revelada ( Romanos 8:18)”.
Poderia argumentar muito sobre isso, mas, para não estender tanto, irei somente pedir para nossos irmãos em Cristo que são adeptos a teologia reformada, refletirem, e assim por dizer, se retratarem sobre esse assunto. Identifique as pessoas que estão passando por momentos angustiantes e as exorte para serem constante na perseverança. Provem a si mesmo para verem se realmente estão na fé, e lembrem-se que:
“...o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça (Romanos 6:14).
Que Deus nos fortaleça, graça e paz aos santos!
REFERÊNCIA:
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[1]. TURRETINI, François. Compêndio de teologia apologética. Vol 2. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, pág. 154.
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